The Times They Are A-Changin’

Um mês antes da publicação deste editorial, Bob Dylan recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 2016. Metade do mundo que se interessa pelo assunto ficou em choque: mas ele é músico, não escritor! Esse foi o cerne da indignação. Enfim, ninguém até hoje conseguiu definir muito bem o que é literatura. Do mesmo jeito, se seus limites nunca foram claros, eles sempre estiveram em movimento.

Além de ter publicado um excelente livro – Tarântula –, Dylan é responsável por boa parte da melhor produção da contracultura norte-americana realizada nas últimas décadas. Nada de muito oficial o atrai. A propósito, até a data em que estamos fechando esta edição, Dylan falou bem pouco sobre o prêmio. Reconheceu certo eco de Homero em sua criação e disse que se tudo der certo irá à cerimônia de entrega. E sem perder a fina ironia, ainda disse ter ficado speechless com a notícia. É bem possível que ele resolva, chegando lá, não falar nada, bem como talvez surpreenda a todos com um show para a família real sueca.

A revista Peixe-elétrico gostou muito da decisão dos jurados. Mesmo Svetlana Aleksievitch, que muitos diminuem por não fazer ficção tout court (como se isso existisse) foi uma ótima escolha (nas próximas edições iremos tratar com muita atenção da obra de Svetlana e de Dylan). Cabe lembrar ainda que a palavra “fronteira” está no discurso contemporâneo há um bom tempo. A maior crise humanitária do mundo é a dos refugiados, esmagados entre nacionalismos atrasados, presidentes sanguinários e uma divisão fronteiriça do mundo que já não faz muito sentido.

São as piores vozes hoje que levantam grande preocupação com limites territoriais ou interesses nacionalistas. Um bom exemplo é a obsessão de Donald Trump com a fronteira sul dos Estados Unidos e os imigrantes ilegais. Ele é a imagem do horror do nosso tempo.

Peixe-elétrico está no lado oposto. A edição que o leitor acaba de baixar tem como assunto de capa a obra de Arcadio Díaz-Quiñones, intelectual porto-riquenho radicado nos Estados Unidos. Redigidos com elegância e fluidez, seus livros não obedecem, como o próprio autor, nenhum tipo de fronteira. Ele fala de literatura, artes gráficas, política, música e comportamento social. 

Aqui a complexidade não é sinônimo de elitismo. Díaz-Quiñones definitivamente está preocupado com a contemporaneidade em toda a sua amplitude. Sem se permitir qualquer preconceito, mostra que os espaços fechados que nosso tempo está cultivando servem apenas para diminuir as potencialidades sociais, estejam em qualquer um dos lados da fronteira.

Esta edição é publicada quinze dias após a aprovação pela Câmara dos Deputados da PEC 241, a “PEC do Fim do Mundo”, que irá, na prática, permitir que o governo transfira parte dos investimentos da saúde e educação para outras áreas, como pagamento dos juros da dívida pública, por exemplo. Nesse intervalo, uma das principais responsáveis pelo Brasil estar nas mãos de gente que não quer investir em escolas e hospitais, a professora e advogada Janaina Paschoal, declarou que a Rússia está se preparando para invadir o Brasil!

Enfim, preferimos cultivar a inteligência livre de Arcadio Díaz-Quiñones e a falta de limites de Bob Dylan, dois filhos do mesmo tempo e da mesma cultura de contestação. Aos conservadores, oferecemos o fantasma dos russos. Para os nossos leitores, a inteligência dos que não aceitam as fronteiras.

Os editores

Novembro de 2016

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